Ir ao psicólogo é como… Como o quê?

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Ir ao psicólogo é como o quê?Uma das artimanhas do seu cérebro é que funciona por comparação. Quer se aperceba disso ou não, e sobretudo sempre que lida com conceitos novos ou que domina mal, o seu cérebro começa por encontrar qualquer outro ponto de referência que já conheça, para estabelecer as semelhanças e diferenças e encontrar uma linha de entendimento: “isto é como aquilo nestes aspectos”.

Por isso, as analogias e metáforas são tão usadas quando se ensina e todos – crianças a adultos – lhes aderem tão bem. São ecológicas, porque se baseiam nos mecanismos do funcionamento do cérebro. E quando não nos é dado algo que nos permita a comparação, a nossa máquina de aprendizagem trata de encontrar o que lhe pareça mais adequado. Infelizmente – e como nem tudo o que parece, é – os pontos de comparação que assume como os melhores ficam, muitas vezes, longe da realidade.

Ora se há coisa de que nos apercebemos é das várias analogias e metáforas erradas a propósito do trabalho e âmbito de actuação de um Psicólogo, o que faz com que pessoas que precisam não recorram aos nossos serviços, por não saberem que é esse o enquadramento mais eficaz, e que pessoas que recorrem ao psicólogo se sintam confundidas após uma ou duas consultas porque estavam à espera de algo diferente, e ficam sem beneficiar de uma intervenção psicoterapêutica.

Por isso, deixe-me usar algumas analogias para tentar encontrar pontos de referência mais realistas. E, talvez, começando por aquilo que um psicólogo não é.

Um psicólogo não é como um amigo

Muita gente acha mal empregue o seu investimento se escolher trabalhar com um psicólogo porque entende que “se é para desabafar, faço-o com os meus amigos”.
Propósitos terapêuticosOs amigos são fundamentais para a saúde psicológica; há mesmo um ou outro estudo que demonstra ligações entre a qualidade da vida social e a saúde física. Mas isso não faz dos amigos nem médicos, nem psicólogos – a não ser que o sejam mesmo, claro. Mas se contar com psicólogos e médicos entre os seus amigos já deve saber que a deontologia de uns e outros não lhes permite acompanhar profissionalmente amigos e elementos da família, portanto o papel que têm face a si é unicamente de amigos.

Mas um psicólogo não é como um amigo. Não se procura um psicólogo para desabafar ou fazer confidências, como objectivo último. E o psicólogo também não se vai limitar a escutá-lo e dar-lhe um ombro simpático. E também não vai conversar consigo só para fazer conversa.

Um psicólogo ouve as suas queixas, aplicando-lhes filtros que as permitam enquadrar – conceptualizar, é a palavra certa – numa lógica de trabalho. Por exemplo, no início, a escuta é dirigida à procura de sinais da existência de psicopatologia, sendo o mais frequente as perturbações ansiosas e as depressivas. E, de uma forma geral, o psicólogo está à procura dos indicadores que possam explicar como passou do ponto A para o ponto B e que lhe permitam intervir para resolver o sofrimento do ponto B e libertá-lo para chegar a um ponto C que contenha bem-estar e saúde.

Dou-lhe um exemplo simples que demonstra bem a diferença entre uma “conversa” orientada por princípios terapêuticos e uma conversa de amigos. Imagine que anda roído de preocupações. E tem um espaço com os seus amigos e família, com quem vai partilhando essas preocupações – com o trabalho, com os miúdos, com a saúde, com o futuro, com tudo um pouco. E a sua rede social cumpre a sua função: ouve-o, é empática, preocupa-se consigo, dá-lhe conselhos e sugestões e aprofunda consigo as razões pelas quais está preocupado. E até lhe telefonam para saber se a vida lhe anda a correr melhor. É um consolo termos este apoio, e é triste quando ele não existe.

Mas quando se senta com um psicólogo, assim que ele ou ela percebe que está perante um nível de preocupação elevada, vai querer procurar os outros sinais que lhe permitem confirmar ou afastar um diagnóstico de perturbação de ansiedade generalizada: consegue controlar este nível de preocupação, se assim o entender? A preocupação é excessiva face aos temas e em termos da parcela do tempo mental que lhe ocupa? Há interferência no sono? Existe tensão muscular assinalável? Anda impaciente ou irritável? Sente-se desgastado? Inquieto, angustiado? Há dificuldades de concentração?…

Se se confirmar que as suas preocupações são um sintoma desta perturbação ansiosa, então, de repente, a conversa é toda ela muito diferente. Os amigos aprofundam aquilo que pensam serem os motivos das suas preocupações e debatem formas de resolver os problemas que estão na sua base. O psicólogo sabe que, para ser eficazmente resolvida, exige que não se esteja a debater o conteúdo das preocupações – ou seja, exige que se faça o oposto daquilo que os seus amigos estão a fazer – e se intervenha com técnicas que lhe permitem re-educar o funcionamento cerebral.

Os seus amigos e família fazem bem, porque sendo seus amigos, a sua função é estarem lá para si, ouvirem-no e apoiarem-no. E neste caso, o psicólogo faz muitíssimo bem porque o seu papel não é consola-lo mas tratar a perturbação, para que a sua vida retome normalidade.

Um psicólogo não é como um médico

E falámos em “tratar”. E por essas e por outras, a metáfora que está a trabalhar na cabeça de muitas outras pessoas é a metáfora médica. Vou ao médico para ele dizer o que está errado comigo e dar-me uns comprimidos que me vão por bem. Se reler esta minha frase, é fácil ver que no modelo médico se atribui muito pouca importância ao papel do paciente, que é meramente objecto sobre o qual existe uma actuação: o médico analisa, o médico decide, o médico prescreve, a medicação faz efeito. O paciente diz que sim e empurra os comprimidos com um copito de água. Face aos resultados pretendidos é o modelo mais eficiente (mantenhamos presente que eficiência é diferente de eficácia, só para sermos rigorosos, porque já seria fora do âmbito deste artigo elaborar mais sobre o tema).

Articulação e colaboraçãoUm psicólogo nem é médico, nem é como um médico. Há dois tipos de profissionais que actuam em saúde mental: médicos – psiquiatras e neurologistas – e não médicos – psicólogos clínicos. Os primeiros têm formação de base em Medicina seguida da respectiva especialidade. Os segundos têm formação de base em Psicologia, com especialidade em clínica e saúde (a especialidade de que lhe estou a falar aqui), ou organizacional ou educacional e, eventualmente, uma pós-graduação em psicoterapia.

Nas intervenções de Psicologia Clínica e da Saúde, naturalmente que compete ao psicólogo analisar e tomar decisões quanto a um plano de trabalho, mas até estas fases do processo são feitas em estreita colaboração com o seu cliente. Porquê? Porque pouco ou mesmo nada funciona, no trabalho de Psicologia, sem a intervenção directa do cliente. Não há comprimidos que basta empurrar com o copito de água e seguramente que também não há pós mágicos que façam acontecer coisas, nem as palavras trocadas têm, por si só, o poder de alterar realidades. Por isso, isto é um trabalho em estreita colaboração: um tem as ferramentas e os conhecimentos científicos para entender e explicar o que se passa e como se pode fazer para que se produzam resultados diferentes; o outro tem de decidir a melhor forma de operacionalizar as mudanças na sua vida e pô-las em prática.

Um psicólogo não é como um padre

Bem lá no fundo, de uma forma subconsciente, para muitas pessoas, um psicólogo fica algures entre a figura de um amigo e a de um padre. Começa com a ideia de que se vai ao psicólogo para conversar, passa pelo desabafar e confidenciar coisas que com poucos se partilharam, tropeça-se na expectativa de que o psicólogo tem por objectivo último ser simpático e compreender, e chega-se ao ponto absurdo da raiva porque um psicólogo cobra honorários. Tudo fruto de não se perceber que a Psicologia é uma ciência, como a Medicina, mas aplicada de uma forma intensamente relacional e com base numa profunda empatia – a parecer-se erradamente com uma relação de amizade – e num enquadramento de elevado sigilo, como aquele que regula as comunicações confessionais.

Respeito pelo cliente

Mas um psicólogo não elabora juízos morais – no decurso do seu trabalho com cada cliente, deixa à porta do consultório (e é altamente treinado para o fazer) aquilo que são as suas convicções pessoais sobre os mais diversos “certos” e “errados”. Porque, contrariamente à actividade de um ministro religioso, não lhe compete prescrever códigos de conduta ou apontar os caminhos que devem ser percorridos. Compete-lhe, isso sim, conduzir correctamente cada cliente para que ele descubra o que entende como válido, útil e consonante com os seus valores pessoais, e esclarecer quanto aos mecanismos subjacentes da saúde e como os implementar.

Um psicólogo não é como na TV

A psicologia tem o seu charme! Os conceitos que explicam porque fazemos o que fazemos, e sobretudo aqueles que se dedicam às zonas mais sombrias do ser humano, como é o caso de áreas da Psicologia Criminal, são fortemente apelativos e prestam-se a ser encaixados nas mais diversas séries televisivas e filmes. Mas, como tudo o que se passa no universo cinematográfico, é ficção e largamente romanceado em muitos exemplos. Um psicólogo não é alguém que se senta horas sem fim a olhar com um ar meditativo e, de vez em quando, a dizer ou fazer umas perguntas com toda a aparência de muito inteligentes e capazes de mudar a vida de alguém, ou capazes de descobrir motivações retorcidas ou explicações sobre as pessoas que são tão convictas quanto impossíveis de serem demonstradas.

Como na TVPara o bem e para o mal, o charme da Psicologia tem-na tornado popular e os efeitos oscilam entre dois extremos: por um lado começa a desmistificar-se a ideia de consultar um psicólogo e assumir-se a normalidade em fazê-lo, uma vez que o tema andou rodeado de estigma, preconceitos, ideias erradas e negativas e parece que finalmente se está a conseguir situar uma consulta com um psicólogo no mesmo nível de normalidade do que uma consulta com um médico. Por outro lado, a informação abundante, populista e reduzida a conceitos simplistas e descontextualizados tem criado todo uma psicologia pop, que induz as pessoas em erro e as leva a assumirem interpretações que, no mínimo, as fazem perder tempo precioso de abordagem correcta aos seus problemas e nada contribuem para uma recuperação rápida.

Então, um psicólogo é como quê?

Seguimos neste estilo de comparação, para encontrar uma analogia que sirva de melhor entendimento à actividade de um psicólogo. E eu diria que um psicólogo é mais como… um fisioterapeuta de cérebros.

Quem inicia um processo fisioterapêutico tem uma expectativa correcta a propósito de, pelo menos, duas coisas: uma é de que não é um acto único; a fisioterapia requer um determinado conjunto de sessões de trabalho para se obterem resultados. A outra expectativa correcta é que é esperado trabalho da sua parte, sem o qual nada acontece, por melhor que seja o fisioterapeuta

Treinar o cérebroPois que em Psicologia é a mesma coisa, apenas que não estamos a falar de órgãos relacionados com o movimento, mas de um órgão especial chamado cérebro. E o cérebro é o nosso comando central para tudo, incluindo emoções, processos cognitivos e de raciocínio, geração e controlo de comportamentos,… tudo o que compõe a nossa expressão humana e biológica a cada segundo. Se existirem componentes que se desregulam de alguma forma e adquirem um funcionamento diferente do que seria natural, então o cérebro tem de ser conduzido de volta a um funcionamento de equilíbrio, e a psicoterapia é uma forma eficaz de fazer este treino.

E como se treina o cérebro em bons hábitos e funcionamento saudável? Bem, terão de passar provavelmente algumas décadas até que exista uma resposta abrangente e clara para esta pergunta, mas, em muitas das circunstâncias mais frequentes já se sabem quais as acções que têm de acontecer para que o funcionamento cerebral se normalize e a pessoa volte a sentir-se bem e capaz de usufruir da sua vida. As intervenções eficazes e validadas cientificamente são normalmente aconselhadas por grandes organismos profissionais e/ou científicos internacionais, constituindo-se directrizes de actuação para os psicólogos – tal como os médicos também têm directrizes referentes às melhores práticas em cada condição.

E, com a rápida disponibilização de tecnologia, cada vez mais apurada, para “ler” a actividade cerebral, já é possível demonstrar que, de facto, depois de uma intervenção em psicologia clínica, que siga as boas práticas definidas, não é só a pessoa que se sente melhor e consegue retomar uma vida que a satisfaça. Há mesmo uma mudança de funcionamento e actividade cerebral – antes um “antes” e um “depois” físico, claro e objectivo, para cada intervenção psicológica, demonstrada maioritariamente em quadros de ansiedade e depressão.

Sim, muito frequentemente o que o traz ao consultório de psicologia, no fundo, tem uma representação física e o resultado do trabalho terá um impacto físico. Mas chega-se lá com técnicas e toda uma intervenção que não tem nada de física (bem, às vezes tem um bocadinho, mas isso já será outra conversa).

E agora que lhe falei sobre o trabalho em Psicologia, tenho de lhe dizer que, muitas vezes, não é nada disto 🙂 Antes que me chame mentirosa, deixe-me explicar-lhe duas grandes exclusões:

Em primeiro lugar, tudo o que lhe disse aplica-se à Psicologia da Saúde e Clínica, no sentido estrito do termo. Ou seja, aplica-se quando existe patologia, tal como definida por grandes parâmetros internacionais, e muito especificamente, a situações de ansiedade, depressão, perturbações do comportamento alimentar, e mais algumas condições em que, todas juntas, representam a esmagadora maioria dos motivos que levam a população adulta ao consultório de Psicologia.

Mas existem outros ramos de trabalho, em que o enquadramento é diferente, como por exemplo, a terapia de casal e familiar. E há toda uma ramificação de trabalho em Psicologia que se baseia não em corrigir algo que esteja “mal”, mas em robustecer o que está “bem”, ou seja, um trabalho ao nível do desenvolvimento pessoal que, também ele, tem técnicas e enquadramentos muito diferentes.

E, finalmente, falei-lhe de uma forma de abordar o trabalho em Psicologia Clínica. Não é a única. Aliás, existem mesmo na ordem da centena de abordagens teóricas em Psicologia, cada qual com as suas formas de conceptualizar o trabalho a fazer e técnicas próprias para o fazer. E este simples facto deita por terra a última ideia errada sobre Psicologia de que lhe queria falar neste artigo: o de que, como já se foi a um psicólogo e não se obtiveram os resultados pretendidos é porque não vale a pena continuar a tentar… Não sabendo que em Psicologia existem diversas formas de trabalho, que o tornam muito diferente de corrente teórica para corrente teórica, e mesmo de psicólogo para psicólogo, é fácil achar que um não resultado com um profissional de saúde mental será sinal de que nada resulta. Ou, dito de outra forma, que os psicólogos são todos iguais – e nada poderia ser mais diferente do que isto.

Na Oficina de Psicologia fazemos questão de que a nossa equipa clínica inclua psicólogos das orientações científicas mais representativas e com melhores provas dadas, precisamente para termos a abrangência suficiente para sermos tão eficazes quanto possível nas nossas intervenções. Se tem uma experiência passada de insucesso, não hesite em procurar outro psicólogo – da mesma forma que não hesitaria em procurar outro médico se tem uma queixa que não foi resolvida pelo seu médico anterior.

Autora: Madalena Lobo

Madalena Lobo
Madalena LoboCEO; Psicóloga Clínica e da Saúde

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