Pecado ou necessidade?

Tempo de Leitura: 8 min

pecado ou necessidade?

Quem nunca “pecou” que atire a primeira pedra!

Todos nós já demos connosco a ceder a uma alimentação emocional. O ser humano procura conforto na comida desde sempre e desde que nasce. Como a maioria dos sintomas emocionais, acredita-se que a alimentação emocional seja o resultado de vários fatores, e não de uma única causa. Quem  tende a relacionar comida com conforto, poder, sentimentos positivos ou por qualquer outro motivo que não sejam as necessidades físicas do corpo, pode ter mais propensão a uma alimentação emocional. A fome física surge gradualmente, quando temos o estômago vazio e, a comida traz satisfação e saciedade enquanto que a fome emocional surge de forma mais repentina, com desejos de alguma coisa em particular e cujo efeito, embora imediato,  se esvai rapidamente.

A fome emocional não é uma perturbação (embora esteja presente em algumas perturbações do comportamento alimentar) mas é originada por fatores emocionais e surge em resposta a emoções positivas ou negativas e não a fome física. Comemos quando estamos tristes, stressados, ansiosos ou frustrados ou também quando festejamos um aniversário ou nos reunimos com amigos e escolhemos os nossos pratos preferidos. A alimentação está muito ligada às nossas emoções, sejam elas positivas ou negativas e também aos nossos hábitos. Belas conversas se têm à volta de uma mesa, verdade?

A alimentação emocional pode anular os sinais de saciedade, levar a excessos e resultar em problemas de peso, se o comportamento se tornar rotina. Ninguém deve ignorar os desejos do corpo, mas é prudente estar atento ao que pode estar a provocar um desejo por comida.

Se bem que reagir às emoções negativas, metendo tudo o que são guloseimas ou batatas fritas à boca possa, possa não ser  uma boa ideia,  existem razões fisiológicas para isso. Os dados referem que cerca de 40% das pessoas tendem a comer mais quando stressadas, enquanto cerca de 40% comem menos e 20% não sofrem alteram a quantidade de alimentos que comem quando expostas ao stress. Assim o stress pode estar associado quer ao ganho ou à perda de peso.

Alguns dos fatores que nos levam a ter desejo de comida e a ceder a esses desejos está explicado pela ciência e pelas “drogas” (neurotransmissores) do nosso cérebro, o cortisol, a dopamina e serotonina.

A curto prazo o stress pode diminuir o apetite. O sistema nervoso promove a libertação da  adrenalina que ajuda a desencadear a resposta de luta ou fuga do corpo, um estado fisiológico acelerado,  que coloca temporariamente a comida em espera. No entanto se o stress persistir já a história é diferente. O cortisol é a principal hormona do stress, libertada através do nosso sistema de resposta a ameaças e também regula o uso de carboidratos, gorduras e proteínas. Se estamos stressados ou ansiosos, e o cortisol entra em ação, o corpo tende a desejar alimentos com alto teor calórico e de açúcar pois esses alimentos fornecem “boosts” de energia a curto prazo.

Nesta altura em que estamos fechados em casa, aborrecidos, stressados e ansiosos,  os níveis elevados de cortisol fazem-nos desejar alimentos açucarados, gordurosos e salgados, e … a cozinha está ali tão perto… Estes alimentos levam à libertação de dopamina, o neurotransmissor associado à motivação e recompensa que entra em ação com a promessa de que algo positivo está prestes a acontecer, como comer algo que nos delicia e dá conforto. Estes alimentos ativam o centro de prazer do cérebro, mas podem também afastar-nos de uma emoção negativa que estejamos a viver no momento e fazer-nos sentir melhor.

Falta ainda falar da serotonina, a nossa “droga da felicidade” (e que em doses baixas está ligada à depressão). Sabemos que o chocolate está associado a um pico de serotonina e que os  carboidratos também podem aumentar os seus níveis no nosso cérebro e  melhorar o humor. Procurar prazer na comida é uma estratégia comum de busca de prazer ou de evitamento de emoções difíceis.

Como vimos existem mais do que razões fisiológicas para nos virarmos para a comida nesta altura em o mundo se virou de “pernas para o ar”.  Os principais fatores do stress são a incerteza e a falta de controlo dois aspetos bem presentes na situação atual. Estamos numa situação de confinamento, distanciamento social, impedidos de uma vida “normal”, perante uma ameaça que não vemos, nem sabemos quando se vai embora com rotinas ameaçadas e num aborrecimento que nunca vivemos.

Psicólogos especializados em perturbações de humor e alimentares salientam o stress e o tédio como dois dos principais fatores da alimentação emocional. Vemos ainda vários outros fatores que contribuem para o que chamamos  alimentação emocional.

Sem consciência vamos comendo distraidamente a parte que tínhamos decidido deixar no prato, ou depenicamos batatas, amendoins, ou bocadinhos de chocolate mesmo depois de um bom jantar, ou devoramos um “balde” de pipocas doces enquanto vemos um filme.

Ao fim de um dia de trabalho esgotante que bem que sabe relaxar com uma bola de gelado ou uma fatia de bolo e ter na alimentação uma fonte de prazer. Comer açúcares e gorduras liberta opióides no nosso cérebro que são os ingredientes ativos da cocaína, heroína e muitos outros. A calma e satisfação que sente depois de comer estes alimentos é real e facilmente queremos repeti-la.

Desde pequenos que ouvimos, “um homem não chora”, “isso dói mas tens que andar para a frente”, “não penses nisso, tens que te distrair”… e nem sempre o que encontramos para nos distrair vai além de enchermo-nos de comida e a maior parte das vezes não saudável. Não é fácil tolerar emoções difíceis! Se não aprendemos a lidar com elas podemos correr o risco de utilizar como estratégia de evitamento uma alimentação emocional. Mas não são as nossas emoções que causam problemas é pelo contrário, a tentativa de as evitar que os provoca. Emoções como vergonha, culpa, vergonha, raiva, solidão e deceção estão muitas vezes por trás de excessos.

Embora possa parecer contraditório uma má imagem corporal, nomeadamente num mundo que valoriza a imagem, a beleza e que quase a identifica com a felicidade duradoura, traz mais emoções difíceis de suportar e que pode levar também a uma alimentação emocional.

E se nos deixarmos chegar a estados de enorme cansaço ou fome a nossa fisiologia diz que é a melhor forma de nos tornarmos vulneráveis à fome emocional.

A alimentação emocional é uma maneira poderosa e eficaz de encontrar alívio temporário para muitos dos desafios da vida. Se não funcionasse tão bem, ninguém faria isso.

Quantas vezes já tentou resistir ao desejo de “enfiar alimentos proibidos pela boca abaixo”? Discutiu com alguém, está estafado depois de um dia de trabalho, está aborrecido ou a sentir-se inútil, tem medo de ser contaminado,  está desesperado com os filhos aos saltos em casa enquanto está em teletrabalho  ou, está mais ansioso que o habitual.  Sabe que o mais sensato é cozinhar o peixe e os legumes que planeou para o jantar, mas também sabe que não lhe  vão saber tão bem como aquela fatia de bolo de chocolate ou um hambúrguer cheio de ketchup e maionese.

Decidido abre um pacote de legumes. Passado algum tempo, diz a si próprio, “vou só provar… ou “ vou só comer alguns…” e quando dá por si comeu um pacote de amendoins inteiro e da fatia de bolo não sobrou nem uma migalha. Quando finalmente termina sente-se envergonhado e arrependido. Estarei a falar de si? Estou a falar de todos nós, não está sozinho! Todos nós em algum momento da nossa vida fomos atraídos por comida como uma forma de nós sentirmos melhor.

O que está nas suas mãos para evitar fazer uma alimentação emocional?

Tomar consciência do que está a fazer.  Só conseguimos mudar o que conhecemos. Quando o fazemos, o que comemos e porque o fazemos. Vai comendo ao longo do dia, antes ou após as refeições, depois de uma discussão? Está a evitar emoções difíceis, a gerir o stress ou cansaço ou a comer distraidamente? Quer conforto?

Aprender a gerir o stress com uma boa gestão de tempo, de resolução de problemas ou conflitos, prática de atenção plena sem julgamento (mindfulneess), meditação e outras técnicas de relaxamento. Evite cansaço ou fome excessivos, durma bem e faça pequenas refeições durante o dia. Fazer exercício físico regularmente tende a diminuir a produção de cortisol, leva a uma diminuição da depressão, ansiedade e insónia, e a tendência para uma alimentação emocional. Faça pausas e evite uma agenda demasiado cheia. Aprenda a reconhecer os gatilhos de stress.

Alimentar-se de forma mindfulness tentando ficar atento ao que está a comer e quando. Comece devagar e evite o auto-julgamento.

Aceitar as emoções difíceis. Ninguém gosta de se sentir triste, zangado, rejeitado e entediado. As emoções têm uma função e uma razão. Pode não se sentir melhor, mas impedirá a substituição das emoções por comportamentos que lhe trazem posteriormente emoções desagradáveis, como a culpa e vergonha, habitualmente presentes depois de comer o que não deve. E se resultam de algum problema…resolva-o.

Introduzir comportamentos saudáveis e de prazer e mestria. Faça uma lista de atividades de que pode gostar e que não envolvam preparar, comer ou comprar comida. Uma das alternativas mais simples, fáceis e saudáveis é a caminhada: caminhada regular, caminhada rápida, passear com o cão. As atividades manuais, como fazer tricô, pintar, construir artesanato, não ajudam apenas a passar o tempo, proporcionam uma atividade que permite que seja criativo e produtivo. Aprenda uma nova atividade ou recupere algo que deixou de fazer.

O problema não é a alimentação emocional por si só, mas fazê-lo sem dar por isso e em excesso, com menos prazer e mais culpa.

Já que todos fazemos uma alimentação emocional de vez quando mais vale aceitar que o fazemos e aproveitar o prazer que nos dá. Definir como uma estratégia que escolhemos utilizar, de vez em quando, em vez de uma estratégia que não conseguimos deixar de utilizar.

Depois de escrever um artigo tão extenso eu decidi que mereço um quadradinho de chocolate. Depois de ler um artigo tão extenso você tão merece. É servido?

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27 de Junho, 2020

Revejo-me aqui… totalmente!

Estou a tentar mudar… vamos ver se consigo…

Quem está alheio a estas situações não consegue perceber o porquê de comer sem fome, coisas que nos fazem mal e que nos aumentam o peso.

Depois vem a vergonha e a frustração!

Ainda bem que há quem estude e compreenda estes comportamentos para que nos possam ajudar

Paula
11 de Maio, 2020

Texto muito bom, com alertas simples, mas que ao mesmo tempo nos retornam ao rumo certo. Obrigada!!

Maria Cristina Coelho De Nadai
8 de Maio, 2020

E sempre bom ler a respeito, pois dou várias dessas escapadas. As alternativas propostas no texto são viáveis, ou seja, qualquer pessoa consegue fazer: “caminhada regular, caminhada rápida, passear com o cão. As atividades manuais, como fazer tricô, pintar, construir artesanato, não ajudam apenas a passar o tempo, proporcionam uma atividade que permite que seja criativo e produtivo. Aprenda uma nova atividade ou recupere algo que deixou de fazer.” Além disso, ajuda muito um texto amigável, incentivando para voltarmos a seguir um objetivo de ter uma alimentação saudável, melhorar a saúde e baixar o peso. Muito bom!!!

Jussara
Cristina Sousa Ferreira
Cristina Sousa FerreiraPsicóloga Clínica

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    2020-05-08T18:42:40+01:008 de Maio, 2020|
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