Há pouco tempo uma amiga anunciou-me que, após cerca de dois meses de namoro, tinha decidido ir viver com o namorado. Pareceu-me aquilo uma grande precipitação, um desrespeito pelas fases que uma relação deve seguir. Isto até me lembrar que estava em emissão um formato televisivo que desafia duas pessoas, que nunca antes se viram, a casar. Após o casamento, partem em lua de mel e regressam para uma vida de coabitação, devidamente acompanhados pelos intitulados “especialistas” do programa.
Na última edição de “Casados à Primeira Vista”, dos sete casais envolvidos, dois decidiram prosseguir a relação após o final do programa. Se considerarmos que, em Portugal, cada sete em dez casamentos termina em divórcio, esta taxa de sucesso está alinhada com a tendência nacional.
Li um artigo de opinião que comparava este formato televisivo com as aplicações de encontros, o que faz algum sentido, excepto se considerarmos que nas ditas aplicações se vê a cara da outra pessoa e se têm, habitualmente, algumas conversas antes de passar a um encontro; neste programa parte-se completamente “às escuras”. E este pode ser, forçosamente, um dos primeiros motivos pelos quais os matches falham. Se a união entre dois desconhecidos for um sucesso, será por mérito do acaso.
Ainda que no programa se inverta a lógica relacional, começando pelo compromisso, os ditos especialistas do formato aconselham os casais a começar por estabelecer uma amizade, construindo uma intimidade crescente, podendo, então, surgir o amor, o que me parece, naturalmente, bastante sensato.
O que é que pode correr mal num programa como este?
Em relação aos participantes…
– Expectativas irrealistas face ao parceiro escolhido e/ou à relação a estabelecer e ao que iriam sentir (estar à espera de um “amor à primeira vista”);
– Incapacidade de aceitação e gestão/conciliação das diferenças;
– Dificuldade em lidar com a novidade e a mudança;
– Dificuldades de comunicação, com tendência para adopção da crítica, que se sabe ser um dos principais preditores do insucesso de uma relação;
– O peso de medos, inseguranças e outros aspectos mal resolvidos em relações anteriores.
Em relação aos “matches” e ao programa em si:
– A Psicologia não consegue ainda fazer tal coisa como um “match eficaz”. O que pode é, com recurso a instrumentos devidamente validados, tipificar uma série de características de personalidade e encontrar semelhanças e convergências entre diferentes indivíduos. Contudo, sabe-se também que pessoas muito diferentes podem ter relações muito satisfatórias, desde que não tentem mudar o outro.
– Existe uma pressão sobre os casais que não lhes permite ter espaço e tempo para o conhecimento e compreensão mútuas.
Nos casos de insucesso, será que nenhuma das pessoas se encontrava efectivamente predisposta para o amor, que os especialistas também se enganam e os matches não foram os mais acertados ou, a opção que me parece mais credível, existe aquilo a que chamaria um “defeito de origem” – não se estabelece uma relação, um compromisso, à primeira vista. Esta não é uma forma eficaz de encontrar a cara metade. Não existem dúvidas de que o amor é um processo de construção intencional e consciente. Quem não gostaria de encontrar a sua outra metade da moeda e, na primeira miragem, e por decreto, ficar unido até ordem em contrário.
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