Tempo de Leitura: 5 min
António Norton

António Norton

Uma relação é formada por três sistemas, o Eu, o Tu e o Nós. Cada um é diferente e tem necessidades e mundivisões distintas.

Para uma relação funcionar tem que haver um respeito por estes três sistemas. Sem respeito e com aglutinação rapidamente se entra em desequilíbrio.

O Eu é uma unidade que, já existia antes da relação, que tem a sua personalidade, a sua idiossincrasia, as suas ambições, os seus interesses, a sua vida e a sua independência.

O Tu é a outra célula que partilha das mesmas peculiaridades do Eu.

Finalmente o Nós é a nova construção, o novo núcleo, a célula mãe da relação. Sem este Nós não há relação. O Nós é a célula que se forma através da união do Eu e do Tu, que tem a sua própria individualidade formada pelos momentos vividos pelas duas unidades, que são o seu bem relacional mais precioso: os momentos que passaram juntos, os passeios que deram, os filhos de ambos, a sua casa, as suas musicas, os seus locais, os seus termos carinhosos, enfim Tudo aquilo que dá uma identidade própria e unica a esta terceira célula. Se esta célula não for alimentada então a relação inevitavelmente acaba, porque não é regada, nem construida activa e conscientemente.

Para Tudo funcionar tem que haver respeito pelo Nós.

Quando se forma este Nós, deixa de existir apenas um Eu ou um Tu isoladamente, mas o Eu também é Nós e o Tu também é Nós. Então qualquer decisão tomada pelo Eu ou o Tu deverá ser sempre feita mediante um acordo prévio com a célula Nós. Se alguma das células não respeita o Nós então dificilmente a relação poderá funcionar. Além desta permissa fundamental outra é a de que nenhuma das células pode desaparecer e não pode apenas restar o Nós, porque isso é matar as células na sua individualidade. Por isso não podem haver exigências de “full-time” para o Nós, senão onde ficaria o Eu ou o Tu?

Para o sucesso de uma relação amorosa é fundamental o respeito da seguinte condição:

Haver uma noção de igualdade e não de superioridade de um dos elementos face ao outro -As disputas, os combates e as hierarquizações destroem o núcleo duro relacional, pois passa a haver um excesso de importância dada a um dos elementos, seja o Eu ou o Tu. Não se deverá acusar um dos elementos isoladamente, mas procurar falar em termos do sistema casal. Se as coisas estão a correr mal a culpa deverá ser atribuida ao sistema. Se é atribuida a uma das unidades esta sente-se inferior e depois geram-se situações de hierarquia e conflitos em escalada que muitas vezes terminam em posições extremas de absolutização do Eu ou do Tu, que destroem o Nós. Saber respeitar o Nós. Isso cria um espírito de união e de mútua colaboração.

Dentro das hierarquizações que surgem numa relação importa falar sobre o binómio Dependência/independência.

Enquanto uma relação se molda por um sentimento de igualdade entre ambos os parceiros, onde existe uma sensação de equilibrio relacional e em que nenhum dos intervenientes se sente dependente ou independente do outro, mas sente sim que existem cedências de ambos os lados, bem como a mútua procura de oportunidades para fazer crescer o amor emergente, Tudo está relativamente bem.
Quando um dos parceiros sente que é muito mais dependente e conceptualiza o outro elemento como mais independente então aí começam vários problemas na relação, pois gera-se uma situação de desiquilibrio, em que deixa de existir um plano de um relativo equilibrio relacional e passamos a ter uma estrutura bipolar com dois polos bem distintos. O polo dependente e o pólo independente.

Nesta situação polarizada surgem uma série de sentimentos. A pessoa dependente sente -se insegura, ansiosa, sente que precisa do seu companheiro como se precisasse de um vicio para viver. A pessoa dependente, profundamente fragilizada e insegura, procura estar o maior tempo possivel com a outra pessoa e fazer inclusivé as maiores loucuras para viver ao máximo a sua violenta paixão. A pessoa dependente passa a considerar qualquer momento vivido com o seu companheiro como algo inestimável, de máxima importância e vitalidade para o seu bem-estar. Para a pessoa dependente o mais importante é o companheiro, Tudo o resto é indiferente, acessório, vulgar.

A pessoa percepcionada como independente, obviamente não fica incólume neste jogo relacional. Sente uma certa superioridade, uma certa maturidade relacional pois é capaz de controlar o turbilhão emocional que avassala ferozmente o/a seu/sua companheiro/a. A pessoa percepcionada como independente poderá sentir até um certo desdém, uma certa desconsideração por partilhar a sua vida com uma pessoa imatura relacionalmente que se torna quase uma vassala amorosa. Está gerada uma situação profundamente disfuncional em que qualquer argumento que implique a pessoa considerada independente ter que se afastar da dependente é considerado por esta como um sinal de afastamento, de recusa, de evitamento, de fuga. A pessoa vista como independente, por seu lado, vai-se sentido cada vez mais desconfortável com todo aquele apego descontrolado e começa de facto a procurar ar puro fora daquela situação perspectivada como de sufoco relacional.

Está gerada a situação crítica que não é assim tão invulgar quanto se possa pensar. Sendo uma causa frequente de terminos de relações que até se adivinhavam promissoras e verdejantes.

Nestas situações é preciso mudar…. Modificar pensamentos, percepções, atribuições e comportamentos. É preciso arriscar mudar todo o jogo relacional. Para tal é fundamental, compreender a dinâmica dos opostos. Os opostos de facto atraiem-se e uma relação também se mantém através de uma sábia utilização destes opostos. Deste jogo de forças de aproximação e afastamento.

Para um acordeão tocar musica tem que sofrer um movimento de aproximação e afastamento. Pois bem, esta metáfora é interessante para se perceber algo muito importante numa dinâmica relacional. A relação é algo dinâmico e não estático, morto, ou oco. É algo vivo, que precisa de ser alimentado diariamente.

Uma relação para funcionar tem que ser natural. Mas o que é isto de ser natural? É tem de ter equilibrio com aproximações e afastamentos e é preciso perceber esta dinâmica.

Se uma pessoa é considerada muito dependente e se “tira o ar” à outra pessoa então a pessoa considerada independente deverá agir usando a estratégia paradoxal em que em vez de procurar explicar assertivamente a necessidade imperiosa de espaço deverá ser o “mais cola” possível. Estando o mais tempo possível com a pessoa considerada dependente, fazer os possíveis para sacrificar-se quase por essa pessoa, telefonando-lhe e mandando mensagens quase a um ritmo vertiginoso. Este comportamento cria um ponto de saturação no sistema e a própria homeostasia da relação leva a que a pessoa outrora considerada dependente se sinta quase sufocada por todo aquele ímpeto e entramos assim num novo plano relacional. Obviamente existe igualmente o risco da situação se inverter totalmente, e o que acontece na dinâmica da relação é praticamente nulo, ocorrendo apenas uma radical inversão dos papéis. Mas com arte e sabedoria é possível entrar num novo plano relacional.

Inversamente, se um companheiro quiser maior aproximação da sua parceira deverá tornar a sua presença algo difícil, rara e preciosa. E a dinâmica da aproximação naturalmente se instala.

Pode parecer estranho mas a relação vive de um jogo de atracção e repulsa que poderá ser condicionado sabiamente com argúcia sistémica e percebendo que tudo se trata de um jogo de forças na homeostasia relacional.

É que muitas relações terminam pois ou se gera uma situação profundamente bipolar, ou então entra-se num marasmo relacional em que já não existe a importante dimensão da corte. Para a “chama se manter acesa” e a relação durar é pois importante perceber o significado sistémico e paradoxal de uma relação.
Vale a pena pensar nisto!