Vamos pensar o amor?

Tempo de Leitura: 8 min

Vamos pensar o amor?O desafio que proponho é que pensemos o amor, para que, depois de o reflectir, possamos estar mais preparados para o sentir e viver em pleno, em dinâmicas relacionais o mais satisfatórias que nos seja possível construir e alcançar.

Em primeira instância, poderá fazer sentido distinguir entre amor e paixão, conceitos que muitas vezes se confundem e são usados indiferenciadamente. A paixão é o nome comummente atribuído aos estádios iniciais de uma relação. O que acontece numa relação duradoura é que a paixão tende a dar lugar a um sentimento mais “tranquilo” e maduro, com estabelecimento de laços de companheirismo, a que damos o nome de amor. Esta “substituição” é, até, desejável – será que alguém aguentaria muito tempo o estado de activação característico da paixão?…

O encantamento é uma das condições inerentes à paixão – quando estamos apaixonados, sentimo-nos “encantados” com tudo o que vemos no outro, provando o sabor da novidade, do desconhecido. Contudo, e com o decurso do tempo, algumas das características que inicialmente nos atraíram, e até admirávamos, podem tornar-se uma fonte de atritos, principalmente se forem muito diferentes das nossas. Nestes casos podem surgir sentimentos de desilusão ou desencanto, ficando demonstrado que, embora os opostos se possam atrair, tendem a não conseguir “funcionar” em relação. Não obstante, o mais frequente é que as diferenças não sejam tão fracturantes e exista uma aceitação do outro tal como é, com ajustamentos e cedências de ambas as partes.

Os estudos longitudinais com casais que permanecem unidos reflectem a tendência para a paixão durar entre um a dois anos e que, se considerarmos as fases que compõem o ciclo de vida de um casal, esta regressa frequentemente quando se dá a saída dos filhos de casa – o “ninho vazio” (curiosamente, esta é também uma fase que pode ser de crise para os casais que descuraram a sua relação por se terem dedicado exclusiva, ou maioritariamente, ao desempenho dos papéis parentais).

Existe um conceito que me parece interessante e que agrega os de amor e paixão, o de amor passional, que contempla componentes de natureza cognitiva (por exemplo, pensar sobre o companheiro ou preocupar-se com ele), comportamental (ex.: tentar compreender como o companheiro se sente) e emocional (ex.: amar e querer ser amado), que leva ao desejo de envolvimento físico com o parceiro – o que é mais, e diferente, de se sentir sexualmente atraído por alguém.

Numa abordagem mais completa, Robert Sternberg desenvolveu, em 1997, a “Teoria Triangular do Amor”, considerando que o amor é composto por três vértices (ou componentes), sendo a paixão (só) um deles, acompanhada pela intimidade e pelo compromisso.

paixão é o vértice que inclui todos os movimentos que levam ao romance, atracção física e relação sexual; todos os fenómenos relacionados com o amor; e, a excitação física e emocional. Embora as sensações físicas predominem, a paixão, na sua expressão sexual, também preenche necessidades emocionais. Já o compromisso surge como o factor essencial para que um relacionamento seja duradouro e corresponde à decisão de amar o outro, assumindo a vontade e esforço (o compromisso) para manter esse amor. A intimidade, por seu turno, remete-nos para os sentimentos que promovem a proximidade, o vínculo e a ligação ao outro. Inclui, entre outros aspectos, o desejo de promover o bem-estar do parceiro e a capacidade para comunicar para além de aspectos superficiais ou práticos.

Os três elementos – paixão, compromisso e intimidade – combinam-se de diferentes modos, podendo estar, ou não, presentes, dando origem a tipos de amor distintos, sendo que uma mesma relação pode ir oscilando entre eles, de um modo equilibrado. Existem, assim, sete formas de amor, sendo que a presença dos três componentes determina a existência de um “amor completo ou realizado”. No “amor romântico” estão presentes a paixão e a intimidade; no “amor companheiro ou companheirismo” existem intimidade e compromisso (não será muito diferente de uma relação forte de amizade); o “amor ilusório” (ou irreal), deriva da combinação de paixão e compromisso. No “amor vazio” existe apenas o compromisso; a presença de intimidade per se origina o “carinho”; e, o “amor apaixonado” surge quando só existe paixão.

Segundo o mesmo autor, a paixão é o elemento menos estável, menos passível de controlo, mais facilmente reconhecido, tem uma função importante nos relacionamentos breves e é o componente que mais depende do envolvimento psicofisiológico. A intimidade vai-se construindo e o compromisso é o que carece de mais tempo para se desenvolver. A intimidade existe noutro tipo de relacionamentos, como os familiares ou com amigos muito próximos, enquanto que a paixão é exclusiva dos relacionamentos românticos e o compromisso raramente existe noutro tipo de relação que não a relação romântica.

 Existe o “para sempre”?

Depois destas considerações mais teóricas e considerando os tempos que atravessamos, que muitos caracterizam como sendo de maior superficialidade nos afectos e nas relações, será que ainda faz sentido pensar e acreditar na possibilidade de “amar para sempre” e/ou ambicionar ter uma relação duradoura e satisfatória?

Sem dúvida que estas possibilidades existem, embora constituam desafios exigentes e difíceis, que carecem de empenho, dedicação e persistência. As relações não podem ser dadas como adquiridas, precisam e têm que ser nutridas e investidas. Para nos mantermos apaixonados, temos que manter a curiosidade pelo outro e pelo seu mundo, querer saber o que faz, como se sente em relação a este ou aquele aspecto; introduzir novidade nos vários domínios da relação para que a rotina não se instale de forma negativa; aumentar a tomada de consciência da possível existência de padrões negativos na comunicação e tentar corrigi-los; bem como investir também em nós próprios para que o outro consiga continuar a olhar para nós com admiração (daqui decorre a importância do auto-cuidado). Por maiores que sejam as exigências quotidianas – familiares, profissionais, etc. – e por mais difícil que a sua conciliação possa parecer, os casais precisam de tempo a dois, tempo para namorar. Quantas vezes não ouvimos, em consulta, casais que nos dizem não se recordar da última vez que saíram só os dois com o objectivo de desfrutar da presença do outro?

O terapeuta conjugal norte-americano John Gottman defende uma “fórmula mágica” de seis horas semanais para que o casal consiga manter uma relação satisfatória, sendo que destas seis horas fazem parte, por exemplo, vinte minutos em cada dia útil, para conversar sobre a forma como correu o dia de cada um e duas horas por semana em que o casal tem um “encontro” a sós.

Será que (ainda) se morre de amor?

Todos já ouvimos histórias de casais que, depois de muitos anos de vida em conjunto, morrem com pouco tempo de diferença. Este fenómeno foi estudado há alguns anos por cardiologistas que encontraram evidências científicas daquilo que apelidamos, em linguagem comum, de “coração partido”.

Quando acontece um evento muito exigente e/ou stressante do ponto de vista físico ou emocional – de que pode ser exemplo o confronto com a notícia do falecimento de quem se ama – podem surgir sintomas como fortes dores no peito, dificuldade em respirar e severas alterações do ritmo cardíaco, muito semelhantes aos que caracterizam um enfarte do miocárdio. O que os investigadores verificaram é que não existe o bloqueio da artéria coronária, como acontece no caso de um ataque cardíaco “normal”. Ao invés, encontraram a paralisia de uma parte do coração (a parte do ventrículo esquerdo responsável por bombear o sangue deixa de se contrair e fica parcial, ou totalmente, paralisada). Embora esta situação possa ser revertida espontaneamente e a maioria dos doentes recupere completamente num período de dias ou semanas, podem existir também complicações e quadros não tão benignos. No extremo, o coração pode mesmo acabar por parar – Síndrome do Coração Partido” (ou “Cardiomiopatia de Takotsubo” – de cuja origem, tratamento e prognóstico a comunidade científica ainda sabe pouco).

À margem desta situação, naturalmente que existem também pessoas que, após a perda da pessoa que amavam, seja ela por morte ou pelo término de uma relação, tendo já um funcionamento de natureza mais depressiva, podem enfrentar uma exacerbação de sintomas como a desesperança ou desespero e chegar, mesmo, à adopção de comportamentos suicidas.

Como nota final e, sobretudo, com base na minha experiência e prática clínicas, gostaria de deixar uma nota optimista e positiva em relação à vivência do amor. Se, por um lado, a estatística nos mostra que em Portugal nos separamos muito (somos os primeiros da Europa no ranking dos divórcios – em grande medida, devido às alterações sócio-culturais que o país sofreu recentemente), também me parece que se luta cada vez mais pelas relações e pelo amor, nomeadamente, mediante o recurso à terapia de casal. Os casais reconhecem e admitem, mais cedo e com maior facilidade e abertura, a existência de dificuldades ou obstáculos à vivência satisfatória das relações, cedendo cada vez menos ao comodismo e conformismo. Há mais motivação e disponibilidade para assumir um papel activo na resolução dos problemas e caminhar a dois rumo a (con)vivências relacionais mais funcionais e compensatórias.

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14 de Fevereiro, 2021

Artigo extremamente interessante!!!

Inês Malafaia
18 de Fevereiro, 2019

Um artigo que pode funcionar como um alerta para os casais. Foca aspectos essenciais numa relação.

Parabéns!

Paula Fernandes
17 de Fevereiro, 2019

Muito bem escrito .

Um artigo muito interessante.

Muitos casais deviam ler este texto.

Inês Malafaia
15 de Fevereiro, 2019

Muito bom. Didático, útil e esclarecedor!

Paulo Amatto. Campinas/SP-Brasil.
15 de Fevereiro, 2019

Muito interessante, importante e bem escrito. Gostei. Parabéns. Obrigada.

Maria do Carmo Bessa
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Rita Fonseca de Castro
Rita Fonseca de CastroPsicóloga Clínica e terapeuta de casal
2019-03-05T18:43:37+00:0014 de Fevereiro, 2019|
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