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Marta chorava no consultório pois sentia-se constantemente desvalorizada por João. Dizia fazer tudo por ele, sacrificava-se e sentia que não recebia na mesma moeda.

Antecipava as suas necessidades, tentava ler os seus pensamentos para o poder agradar, insistia para que fosse ao médico, para que comesse, para que se agasalhasse, enviava-lhe por e-mail conselhos sobre alimentação saudável, dicas para parar de fumar e todo um repertório de comportamentos saudáveis, que na sua opinião, João deveria adotar.

Por sua vez, João parecia cada vez mais distante, agressivo e reativo aos cuidados de Marta. Algo que ela não compreendia e que a magoava profundamente.

Ele dizia que era adulto, que fazia o que bem entendia, que se sentia sufocado e controlado. Dizia isso normalmente já aos berros e quase nunca numa conversa franca, calma e saudável. A reação de João deixava Marta cada vez mais insegura e isso parecia fazer com que ela ainda exacerbasse mais ainda os seus comportamentos de cuidado.

Será que essa descrição lhe diz alguma coisa? Já agiu assim? Age assim? Sente que a sua mulher comporta-se desta forma?

Algumas mulheres adotam comportamentos de verdadeiras mães com os seus companheiros, mas o que estará por trás deste comportamento? [Este artigo foca-se neste tipo de padrão comportamental, o que não quer dizer que este seja exclusivo do género feminino]

Quando me deparo com este tipo de dinâmica num casal vejo-me a investigar o que estará por trás dessa necessidade de cuidar, mesmo quando o outro está a afirmar que não precisa ou não quer esse cuidado. É claro que cada caso é um caso e que existirão em cada um deles uma série de nuances únicas. Mas existem determinadas dimensões que de tão repetitivas, tornam-se mais facilmente generalizáveis. Aquelas que encontro com mais frequência por trás deste padrão de comportamento são a ansiedade e a falta de auto estima.

A falta de auto estima aparece enquanto estrutura. Muitas dessas mulheres sentem que estarão mais seguras se o parceiro precisar delas. É uma forma de não irem embora. Têm medo desse abandono e passam a funcionar num esforço constante de agradar e de serem úteis. Esse esforço torna-se cansativo para ambos. Não se sentem amáveis em si mesmas, têm crenças negativas a seu respeito e não acreditam “com todas as células do seu corpo” que merecem ser bem tratadas, felizes, amadas só pelo que são. Assim, passam a tentar ser amadas pelo que fazem. E essa estratégia parece não resultar repetidamente, o que ajuda ainda mais a reforçar a sensação de pouco valor sobre si mesmas.

A ansiedade surge como o motor do comportamento. Com a falta de auto estima na base, a insegurança passa a fazer parte do dia-a-dia. Assim, essas mulheres sentem a necessidade de antecipar todas as situações negativas num vão esforço de se protegerem. Vivem com a necessidade de controlar, de antecipar, de serem boas mulheres, boas mães, boas profissionais, tudo para agradar e manter a pessoa que ama ao seu lado. O problema é que ela não se ama a si mesma.

Assim, desrespeita constantemente os próprios limites, não age de forma a ser respeitada pelo parceiro e muitas vezes pelos outros no geral. Agrada e cuida, mas nunca recebe nada em troca, passando a funcionar numa espiral de frustração, desgaste e depressão.

Quando situações como estas me surgem no consultório, o primeiro trabalho que faço é perceber o que está na origem da falta de auto estima. Que voz crítica a pessoa traz dentro de si, que crenças negativas nutre ao seu respeito, para podermos então fazer um trabalho de desconstrução de tudo isso.

A mulher faz então um processo rumo à aceitação, ao amor e ao respeito próprios, e assim, passa a funcionar de uma forma diferente na relação com os outros.

Quando finalmente a mulher entende (com todas as células do seu corpo e não só no pensamento!) que é digna de ser amada e respeitada e que não precisa estar em esforço constante para que isso aconteça, pois basta ela mesma começar a agir assim, dá-se o verdadeiro CLIC. É quando as mudanças estruturais nas relações acontecem.

O marido passa a olhar para a mulher como mulher, e não como uma chata controladora que o trata feito um idiota. Ela cuida de si, foca-se na sua vida e ele passa a dar-lhe valor, pois ela mesma começou a fazê-lo.

Ver mulheres lindas redescobrirem-se à minha frente, a conseguirem olhar para si mesmas com mais clareza, livres de críticas e crenças irreais, vê-las a exigir respeito do mundo e passarem a estar mais felizes em todas as suas dimensões, faz com que o meu trabalho seja sentido por mim como uma sorte. Dá-me imensa felicidade fazer parte do “empurrãozinho” que elas precisavam para se encontrarem e faz-me sentir cada vez mais orgulhosa de ser também Mulher!

Estamos cá para si, se precisar! 

Fabiana Andrade – Psicóloga Clínica responsável pela área de Saúde Feminina do Top Clinical